Sónia Bombico
Em 1987, Dias Diogo incluiu no “quadro tipológico das ânforas de fabrico lusitano” as formas Lusitana 11 e Beltrán 72. Segundo o autor, a Lusitana 11 assemelha-se à Beltrán IIB e, por esse motivo, atribui-lhe uma cronologia provável entre os inícios do século I e os meados do II d.C. Por seu turno, a Beltrán 72 seria datável dos séculos IV e V. Nas palavras do autor as duas tipologias apresentam pastas semelhantes, correspondendo a prováveis fabricos algarvios. Ambas apresentam bastantes semelhanças formais, distinguindo-se ao nível das dimensões, correspondendo a Beltrán 72 a um módulo de pequenas dimensões (50 cm) e a Lusitana 11 a uma tipologia com cerca de 100 cm de altura.
Por razões que se prendem exactamente com as características do fabrico, notadas pelo próprio Dias Diogo que o considera “muito diferente das produções lusitanas mais características”, as referidas formas foram “afastadas” das tipologias de fabrico lusitano, pela generalidade dos autores a partir dos anos 90 do século XX. No artigo “Duas notas sobre ânforas lusitanas”, publicado em 1997, Carlos Fabião afirma não existirem evidências suficientes para atestar a produção da forma Beltrán 72 na Lusitânia, considerando-a uma produção exclusivamente bética. Todavia este é um debate que permanece aberto e para o qual pretendemos contribuir com novos dados e interpretações.
A nossa recente revisão da informação e dos materiais anfóricos dos naufrágios de Sud-Lavezzi 1 e Cala Reale A, localizados no Estreito de Bonifácio e datáveis entre os finais do século IV e os meados do V d.C., reacende inequivocamente a discussão sobre o fabrico da forma Beltrán 72 nas olarias da Lusitânia. As cargas dos referidos naufrágios incluíam tipologias anfóricas análogas ao tipo Beltrán 72, cuja análise macroscópica das pastas indica um fabrico lusitano.
A par dos naufrágios no Mediterrâneo, um conjunto de dados de contextos arqueológicos lusitanos, da Antiguidade Tardia, parece confirmar a produção lusitana de uma tipologia anfórica com clara inspiração nas formas Beltrán IIB e Beltrán 72 de produção bética.
Quando conservadas unicamente ao nível do bordo a tipologia é facilmente confundida com a Almagro 50. No entanto apresenta diâmetros de bordo consideravelmente menores. Como bem notam R. Almeida, I. Vaz Pinto, A. P. Magalhães e P. Brum (2014) a forma é distinta, estando presente em Tróia e atestada nos centros oleiros de Abul (segundo quartel do século III d.C.) e do Pinheiro (primeira metade do século IV). Os autores denominaram-na provisoriamente Beltrán 72 similis. Nomenclatura que adoptamos aquando da revisão dos materiais dos naufrágios, anteriormente referidos.
A par dos paralelos nas olarias do Sado, uma análise bibliográfica sumária permitiu-nos identificar exemplares enquadráveis na tipologia Lusitana 11/Beltrán 72 similis noutros contextos arqueológicos: Rua dos Correeiros (Lisboa) e nos contextos arqueológicos subaquáticos do rio Arade (Algarve) e do fundão de Tróia.
A análise é enriquecida pela identificação de um conjunto de bordos, por nós classificados como pertencentes a contentores de tipologia Beltrán 72 similis, no âmbito do estudo dos materiais provenientes das escavações antigas (1961-62) das fábricas de preparados de peixe de Sines.
A partir da análise dos exemplares enquadráveis na “família” tipológica Lusitana 11/Beltrán 72 similis, é possível definir, pelo menos, quatro sub-tipologias com dimensões distintas e características formais diferenciadas ao nível do bordo, das asas e da forma do corpo.
De forma genérica a Lusitana 11/Beltrán 72 similis caracteriza-se por um bordo com um diâmetro entre os 8 e os 10cm, em fita curta espessada e pendente, em aba espessada ou em aba pendente e moldurada. A asa arranca directamente do lábio, o colo é troncocónico e o bojo é piriforme. O tipo anfórico apresenta variações de altura entre os 100cm e os 50cm.
Os fabricos identificados em Sines e no naufrágio de Cala Reale A enquadram-se nas pastas típicas das olarias do Tejo-Sado.
O trabalhos que apresentamos pretende caracterizar tipologicamente a produção lusitana do tipo Lusitana 11/Beltrán 72 similis e sistematizar a estado actual dos conhecimentos.